segunda-feira, 21 de abril de 2008

VIDA SEM VIDA

Atrás de vidros
Espiam a rua
A alma morta
Tudo insinua
.
Mêdo de vida
mêdo de amar
Vida sofrida
Vida a secar
.
Nos olhos baços
Inveja pura
seguem os passos
Das criaturas
.
Rapinam sonhos
Denigrem gentes
Na sala escura
De suas mentes
.
Se sentem salvos
Da escuridão
Mas estão mortos
Nessa prisão
.
Invejam tudo
Inventam amores
Matam desejos
Com seus temores
.
Rezam aos santos
Pedindo páz
Cravam punhais
Em seus iguais
.
São mortos vivos
Sempre famintos
Pare no tempo...
Ouçam seus gritos
.
Pedem socorro
Nunca o perdão
Se acham certos
Na contramão
.
E a vida cobra
O seu quinhão
E o preço pago
É a solidão...
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A Gaiola

Javé colocou a gaiola no alpendre. A vista era deslumbrante. Montanhas verdejantes, rios piscosos e lá ao longe o soluçante mar presenteava o local com o cheiro de maresia, que o vento leste espalhava por todo o vale.
Na gaiola dois pássaros cativos. Ora heróis, ora bandidos. Por vezes inimigos, raramente amigos, seus nomes, Côcho e Bérne.
O pote de alimentação era pequeno, mas dava para saciar a profunda fome de ambos, e sua fome era endêmica. Quando o Côcho se apropriava da comida, o Bérne sofria, definhava, chorava e maldizia a vida tão cruel, mas pensava lá com suas penas: - Quando o pote for meu, o Côcho me paga.
Javé como amoroso pai, renovava a água e a comida. Hoje foi o Bérne que se apoderou do pote, e o Côcho chorava, mostrando a todos como o Bérne era mau, mesquinho, nem as migalhas o deixava bicar.
Os pássaros prisioneiros não tinham consciência de seu cativeiro, da imundice, do fedor que se acumulava. Eram orgulhosos e cada um só pensava em si mesmo, no seu próprio bem estar. Não notavam que a gaiola era um bem comum, que era seu pequeno mundo, que deviam tentar melhorá-la, mantendo-a sempre limpa, retirando os cocôs a tanto tempo acumulados. Ao contrário, escondiam suas cácas nas camadas de palhas que forravam o chão da velha gaiola.
Os passantes notavam a extrema tristeza de um dos pássaros. Se Bérne cantava, Côcho chorava, se o Côcho estava feliz, Bérne estava descontente. E as intrigas e desacertos dos pássaros afugentavam as gentes que por ali passavam.
Javé amava a mabos e sabía que na verdade aquilo era uma briga de irmãos, pois no fundo o Côcho gostaria de ser Bérne, e o Bérne sonhava em ser Côcho. Javé chegara ao extremo de trocar os nomes para solucionar o grave problema. Tamanduá e Formiga, não acostumaram com o novo nome, e assim ruíra toda a tentativa de acerto.
Um dia Javé cansou. O que era para ser um pequeno problema estava virando palhaçada. A gaiola estava sendo destruída, não respeitavam a própria casa, cocô acumulado de ambas as partes, sujeiras a vista ou escondidas entre ressentimentos mútuos, acusações sem fundamentos punham em perigo a todos. A natureza se ressentia, nem o vento queria trazer o perfume da renovação.
Javé, em sua infinita paciência determinou com suas brancas barbas:- Cerquei-os de amor e atenção, não ouviram-me. Dei do bom e do melhor, mostrei o certo e o errado, não entenderam. Vou entregá-los à dor e a miséria, e assim quando vierem visitá-los os seus filhos, a fome, o desespero, o ódio e tantos outros talvez aprendam, já que meu amor e desvelo não conseguiu uni-los.
A gaiola foi retirada do luminoso alpendre e levada para o porão, onde gordas ratazanas, escuridão e medo lhes fazem companhia. Côcho e Bérne ainda não perceberam que estão a um passo do fim.
Não sabem, ou não querem saber que o dadivoso Javé ama-os, e que basta que juntos limpem a gaiola que eles mesmo sujaram e destruíram, e que comecem a cantar unidos, tudo mudará. A paz, a esperança e a renovação farão seu trabalho, e a vida voltará a fluir como benção, jamais como castigo.